Fabiano Jantalia¹
Nas últimas semanas temos assistido, com imenso pesar, o desastre natural que se abateu no Rio Grande do Sul (RS). Além da inestimável perda de vidas e do destroçamento de famílias que se viram privadas de seu lar, de seus bens pessoais e de seus meios de produção, em muitos casos a própria subsistência das pessoas e das empresas acabou se tornando inviável, ao menos no curto prazo. Em momentos como esse, além dos esforços governamentais de emergência, a sociedade civil se movimenta para organizar ajuda e amparo às vítimas. Todavia, essas ações costumam ser pontuais e baseadas no sentimento pessoal de solidariedade.
Vale lembrar que, no âmbito do cooperativismo, a preocupação com a comunidade é tão importante que foi elevada à categoria de um princípio universal cooperativista. Esse princípio, como sabemos, é orientado pela convicção de que as relações entre os cooperados não são pautadas apenas pela convergência de interesses econômicos e negociais, mas também pela busca do desenvolvimento sustentável, que deve beneficiar não apenas os cooperados individualmente, mas igualmente as comunidades em que eles estão inseridos. Tal princípio decorre de dois valores do cooperativismo: o da autoajuda e da autorresponsabilidade.
Foi justamente por reconhecer a relevância desses princípios e valores que o legislador brasileiro concebeu um valioso instrumento de apoio aos cooperados: o Fundo de Assistência Técnica, Educacional e Social (FATES). Como bem esclarece a OCB em publicação oficial sobre esse tema, “no âmbito cooperativista, a assistência social deve ser entendida como um conjunto de políticas e ações destinadas ao fomento das necessidades básicas e essenciais dos cooperados, de seus familiares e, quando previsto nos estatutos sociais, dos empregados das cooperativas e da comunidade situada na área de ação das cooperativas do ramo crédito”.²
No contexto específico de desastres naturais, em que o apoio rápido e consistente às vítimas é crucial até para a preservação de vidas, o FATES pode se revelar um instrumento muito eficaz e célere na assistência social dos beneficiários previstos no estatuto social das cooperativas. Essa assistência pode se materializar em diversas frentes.
A primeira, e talvez mais importante frente, é a humanitária. Nesse âmbito, é possível acessar os recursos do FATES, por exemplo, para aquisição e distribuição de cestas básicas, água potável e inclusive itens de higiene pessoal para os beneficiários previstos no estatuto social das cooperativas. Ainda nesse campo humanitário, pode-se também cogitar do uso do fundo para o custeio de ações de saúde de caráter emergencial, como a contratação de serviços de atendimento médico, odontológico e até psicológico de “campanha”, isto é, de caráter temporário e pontual.
Uma segunda frente de uso do FATES é a de apoio logístico. Em locais onde haja grande número de vítimas em locais inacessíveis ou de pessoas já localizadas, mas ainda desabrigadas, a necessidade local pode justificar o uso dos recursos desse fundo para o custeio ou apoio de ações de resgate e de manutenção temporária de estruturas de estalagem e alimentação, desde que revertidas exclusivamente em favor de beneficiários elencados no estatuto social das cooperativas. Serviços de lazer temporário, sobretudo para crianças, como atividades culturais e esportivas temporárias para viabilizar a amenização do sofrimento, também podem ser considerados como opções viáveis de uso desses recursos.
Uma terceira frente é a da assistência funerária. Nesse caso, diante da perda de vidas, o fundo pode ser utilizado para o custeio de despesas funerárias em favor dos beneficiários previstos no estatuto social das cooperativas.
Contudo, não é apenas na assistência social que o FATES pode ser utilizado. Considerando que o desastre natural do RS atingiu diversas unidades produtivas e levou à perda de lavouras e estoques inteiros, há que se considerar ainda a possibilidade de uso desse fundo para viabilizar a assistência técnica aos cooperados para que possam retomar sua atividade produtiva.
Nessa esfera, o FATES pode custear desde os serviços de natureza intelectual e pessoal, até aqueles de reparo ou manutenção de bens, máquinas e equipamentos da cooperativa, de maneira a subsidiar ou custear a mão de obra, avaliação e prestação do serviço ao cooperado. É importante frisar, contudo, que essa modalidade de assistência deve se usufruída pela própria cooperativa ou pelos cooperados de modo geral, uma vez que, pelo princípio da indivisibilidade, não é possível o financiamento de ações que beneficiem individualmente os cooperados.
Essas são apenas algumas das alternativas que se vislumbram para o uso desse fundo tão relevante. Naturalmente, o acesso aos recursos do FATES dependerá de um exame circunstancial e, também, das disposições estatuárias de cada cooperativa. De todo modo, é inegável que, sobretudo no contexto do desastre natural que se abateu sobre o Estado do RS, o cooperativismo dispõe de um importante braço de apoio aos beneficiários previstos nos estatutos sociais das cooperativas. Para o bom uso dos recursos desse fundo, é recomendável que as cooperativas consultem o Manual do FATES, publicado pela OCB, onde poderão ter mais informações sobre as hipóteses e formas de uso desses recursos.
1 Doutor e Mestre em Direito. Advogado especialista em Direito Econômico e Sistema Financeiro. Sócio-fundador de Jantalia Advogados.
2 Fundo de Assistência Técnica, Educacional e Social: manual de orientação. Brasília: OCB, 2022. Disponível em: https://www.somoscooperativismo.coop.br/publicacoes-negocios/fates-fundo-de-assist-ncia-t-cnicaeducacional-e-social. Acesso em: 10 mai. 2024.