Advogados ouvidos pelo Terra apontam quais são as responsabilidades das empresas de apostas diante do impacto sobre os usuários
O mercado de apostas online, chamadas de “bets”, movimenta bilhões de reais todos os anos e é um dos maiores causadores do endividamento dos consumidores. Diante da escalada de preocupação com o impacto social e econômico desses jogos, muito se discute sobre responsabilidade social das empresas em relação aos seus clientes.
Dados recentes divulgados pelo Banco Central (BC) mostram que, em agosto, 5 milhões de pessoas de famílias beneficiárias do Bolsa Família enviaram R$ 3 bilhões às empresas de apostas por Pix. Delas, 4 milhões (70%) são chefes de família (quem de fato recebe o benefício), que enviaram R$ 2 bilhões (67%) por Pix para as casas de jogos.
Filipe Senna, sócio do Jantalia Advogados e especialista em Direito de Jogos e Apostas, diz que os operadores de apostas de cota fixa no Brasil têm, sim, responsabilidade sobre seus consumidores e perante a sociedade como um todo. Segundo ele, praticamente todas as empresas têm esse dever.
“Quando tratamos especificamente do setor de bets, as operadoras têm uma específica responsabilidade sobre a saúde do consumidor, principalmente a saúde psicológica e a saúde financeira. E também têm uma responsabilidade social voltada ao jogo responsável, que é basicamente um conjunto de políticas, ferramentas e decisões que são tomadas para criar uma relação saudável entre o apostador e os jogos e apostas”, explica Senna.
Publicidade ‘saudável’
Thiago do Amaral, especialista em Meios de Pagamentos em Jogos e Apostas, também entende que as operadoras precisam se atentar quanto à preservação do consumidor e à promoção do jogo responsável.
“Isso vai incluir normas de publicidade, de forma com que as empresas não incentivem o jogo de forma a praticar um vício por parte dos seus apostadores e de forma promover meios de pagamento, como por exemplo o cartão de crédito”, acrescenta.
O advogado Eduardo Maurício, que atua no Brasil, Portugal, Hungria e Espanha, cita o exemplo das empresas de cigarro como referência para tratar as bets a partir de agora. As marcas foram obrigadas a estampar mensagens de advertência e imagens de pessoas vítimas do tabagismo em seus maços.
O especialista chama isso de “promoção e publicidade saudável e socialmente responsável”. Para ele, devem ser incluídos alertas sobre problemas sociais da compulsão por jogos e reflexos na saúde mental do apostador.
“Inclusive, acompanhar o comportamento dos apostadores com possibilidade de suspender ou excluir os que violem a política do ‘jogo responsável’ se ultrapassar limite prudencial de aposta por tempo transcorrido, perda financeira, entre outros fatores estabelecidos”, sugere.
Sobre medidas que poderiam ser adotadas para prevenir o vício e auxiliar aqueles que já desenvolvem o vício em jogos, os especialistas sugerem, em um viés mais prático e ideal, a análise de comportamento do consumidor dentro da plataforma. Assim como mencionado por Maurício, os padrões de gastos, a intensidade e recorrência das apostas, os jogos consumidos e o tempo decorrido na plataforma.
Famílias mais vulneráveis
Um levantamento feito pelo Centro de Liderança Pública (CLP) conclui que a ascensão das apostas esportivas online no Brasil precisa de duas principais medidas: proteção às famílias vulneráveis e educação financeira aos apostadores. De acordo com nota técnica da organização, que busca engajar a sociedade e desenvolver líderes para enfrentar os problemas mais urgentes do Brasil, os efeitos das bets vão além da economia e tocam questões de saúde pública e proteção ao consumidor.
Conforme sugere a nota, legisladores podem considerar a implementação de regulamentos para proteger as famílias dos efeitos adversos das apostas esportivas online. Isso poderia incluir medidas para limitar o acesso às plataformas para indivíduos que enfrentam restrições financeiras ou fornecer recursos para práticas de jogo responsáveis.
A organização também reforça que, dados os desafios de acesso atualmente, pode haver necessidade de programas aprimorados de educação financeira direcionados aos apostadores, por parte de governos e organizações, o que incluiria serviços de aconselhamento, programas de gestão de dívidas ou assistência financeira para ajudar os indivíduos a enfrentarem tais situações financeiras.
Pente-fino contra as bets ilegais
O Ministério da Fazenda anunciou na terça-feira, 1, um rigoroso pente-fino sobre o setor de apostas online. A pasta divulgou uma lista com as empresas que pediram autorização para operar no País. As que não aparecem na lista estão proibidas de operar e terão os sites derrubados em 11 de outubro pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). A iniciativa visa regulamentar a atividade de forma mais robusta.
A atividade das BETs foi legalizada pela Lei 13.756, de 2018, depois regulamentada pela Lei 14.790, de 2023. A partir dessa última lei, ela começa a ser regulamentada por diversas portarias do Ministério da Fazenda. Uma delas é esta recente que exige que as empresas peçam autorização de funcionamento para que, então, o governo possa fiscalizar essas casas de apostas.
“Uma vez que a operação foi legalizada no Brasil, a regulamentação é extremamente necessária”, diz Thiago do Amaral. Para descobrir se se o site de apostas esportivas você utiliza está regulamentado ou não é preciso checar no site do Sistema de Gestão de Apostas (Sigap), do Ministério da Fazenda. O site do Sigap, disponível no endereço (aqui). As que pediram poderão continuar a ofertar as apostas até o dia 31 de dezembro deste ano.
“A regulamentação vem principalmente para proteger o consumidor, para garantir que os direitos do consumidor sejam cumpridos e para trazer mais segurança, honestidade, confiabilidade e transparência à indústria. Nós podemos perceber em vários mercados internacionais, como nos Estados Unidos, no Reino Unido, em outros países, que a regulamentação foi benéfica e assegurou mais segurança aos apostadores”, diz Filipe Senna.
Eduardo Maurício afirma que países como Itália, Dinamarca, Estados Unidos, Reino Unidos, Austrália, entre outros, adotaram posturas proativas para a fiscalização das empresas de apostas, inclusive em alguns casos com monitoramento em tempo real.
“Assim, a regulação cuidadosa do setor voltada para a proteção do apostador, bem como a adoção de ferramentas de monitoração e fiscalização do setor, trará transparência e integridade aos eventos esportivos e apostas, e sobretudo em um cenário de cooperação jurídica internacional”, acrescenta o especialista.
Movimentação no Congresso Nacional
Embora tenha aprovado a legalização dos jogos online, deputados e senadores também têm se movimentado para tentar frear o vício em apostas no País. Um dos deputados a propor sobre o tema foi Tião Medeiros (PP-PR), que protocolou um projeto de lei que proíbe beneficiários de programas sociais como o Bolsa Família de gastar dinheiro em bets e que prevê a perda do benefício de quem descumprir a regra.
O deputado federal Reginaldo Lopes (PT-MG) também propôs algo na mesma linha. Ele quer proibir o uso de cartões de crédito e de contas do Bolsa Família sejam usadas para fazer apostas online ou não de jogos de azar. Por sua vez, o deputado federal Ricardo Ayres (Republicanos-TO) enviou aos pares o pedido de apoio para coletar assinaturas e formalizar a CPI das Bets, apostas ilegais e casas de apostas online no Brasil.
As propostas não se limitam apenas à Câmara dos Deputados. O senador Alessandro Vieira (MDB-SE) protocolou dois projetos de lei para modificar a legislação sobre bets e jogos de azar online. As propostas buscam limitar as apostas de pessoas inscritas no Cadastro Único (CadÚnico) e proibir a publicidade de apostas em todo o território nacional.
Fonte: Portal Terra